sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Anjos.

No quarto vazio, restos de ti inundam-me a cama. Este vácuo toma conta de mim, corta-me a respiração que já era ofegante. A fera solta-se, atira-se aos lençóis. Mexe-se nas sombras e eu sinto-a a crescer em mim. Sinto-a possuir-me as vísceras, sinto-a a afiar as unhas nos meus ossos. O luar azul entra pelas frinchas da janela iluminando a poltrona onde jaz a minha alma. Alma essa que possuiste sem qualquer dó e deixaste em farrapos. O teu horripilante cheiro a morte seduz-me e eu percorro agitadamente o teu rasto. Não consigo evitar. Não consigo abrandar as palpitações em que me deixas. Puxas-me em direcção a esse corpo diabólico desejo possuir. O teu rosto, coberto por uma invulgar máscara mortuária, persegue-me em sonhos. Não me deixa despregar de ti. Como um anjo negro da inocência, entraste dentro de mim. Alimentas-te das minhas entranhas e do meu sofrer, órgão a órgão. Não consigo fugir de ti. Não quero fugir de ti.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Visões.

Olho por cima do teu ombro
é caos por todo o lado.
As casas destruídas, os candeeiros a piscar
o lixo acumula, as sombras tomam o controlo.
Trazes o peito pintado de sangue
pela ferida que eu abri,
amanhã de madrugada
declama o poema que eu escolhi.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Intendente.

Lisboa, Praça da Figueira. A noite começa a cair. Duas prostitutas tomam a sua posição ao longo do passeio. À frente, no centro da praça, jovens encapuzados fazem silenciosas manobras de skate. Uma mulher deambula pelo passeio, somente acompanha por uma garrafa de vinho tinto já meio vazia. Um velho guitarrista pousa a sua guitarra e deixa cair a cabeça para a frente, uma jovem rapariga de cabelos ondulados e morenos coloca-lhe a mão no ombro, "sente-se bem?". Segue-se um silêncio até ao momento em que a rapariga se afasta. As pessoas cada vez se apressam mais com o iminente início de noite, ignorando os jovens indianos que lhes tentam cortar caminho para oferecer panfletos de um novo restaurante que abriu junto ao Politeama. Sigo pela Rua da Palma até à Praça do Intendente. De uma esquina, uma mulher de cabelo grisalho e ligeiramente ondulado chama-me. Sigo em frente, passando à porta dos bares onde dois dealers com ar vagamente ameaçador me fazem uma simples pergunta, "bolota?". Aceno negativamente com a cabeça. Ao fundo, vejo um homem com um fato castanho amarrotado e gravata já desapertada a falar com uma mulher que não tinha menos de 50 anos. Ar imperativo o dele, dizendo "anda comigo ali ao carro.", a sentir-se desejado. Ele que foi à zona interdita para se tornar em algo que nunca conseguiria ser.

domingo, 11 de abril de 2010

Ilusão.

Estou preso. E a culpa é tua, toda tua! Tu prendeste-me em algo que acabou sem sequer ter começado. Rasgaste-me a pele ao ponto de eu sentir esse gume, esse frio e terrível gume encostado na carne. E eu tento sair, eu tento quebrar estas correntes que não me deixam sequer mexer. Eu tento e não consigo. Larga-me, vil monstro do fogo! Sai de dentro de mim! Não quero sentir mais as tuas escaldantes escamas nos meus ossos.
Como é possível esta consumidora ilusão me ter parecido tão real? "Talvez tu quisesses que o fosse." Tudo o que quero é que pares de me consumir as entranhas, maldito! Mas não, tu não páras, tu não queres parar. E eu continuo a querer o impossível, continuo à procura de algo que sei que não existe. E, no fim, acabo por morrer. Em ti.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Londres.

Londres, 1h da manhã. Estou a percorrer Camden ouvindo o som saído de dentro dos bares. Pessoas embriagadas cambaleando pela rua, de alma vazia.. Estariam a beber para esquecer os seus problemas e o stress do trabalho? Só elas sabem. Um casal percorre a rua no sentido contrário ao meu, ele tem uma cerveja numa mão e um cigarro na outra, ela traz um casaco de ganga aberto e um top preto a revelar uma parte dos seus seios. Estariam a voltar de uma noite atribulada pelos pubs do bairro. À entrada de um bar, um dealer. Dirige-se até mim, traz um saco de erva na mão e um joint aceso na boca. Oferece-me o saco. Aceno um não com a cabeça e sigo o meu caminho pela rua. Decido entrar num daqueles tantos bares à minha volta. Deparo-me com um ambiente fantástico. Pessoas a confraternizar, um cheiro a charro no ar, cerveja derramada pelo chão, casais a beijarem-se apaixonadamente à porta das casas-de-banho, provavelmente seria um simples one night stand.
Dirijo-me ao balcão e peço uma cerveja. Olho em volta para ver com mais atenção o ambiente que me rodeia. Sentada do meu lado direito, no balcão, estava uma rapariga atraente. Calças justas, camisola de alças dos Clash. Fico indeciso se hei-de falar com ela ou não. Após olhar para o seu corpo perfeito as minhas indecisões acabam, ofereço-lhe uma bebida. Ela parece estar interessada. Após uns copos de vodka e umas cervejas, puxa-me para dançar. Aprecio mais uma vez o seu maravilhoso corpo enquanto caminhamos para a pista de dança. Começamos a dançar e ela parece cada vez mais interessada. Aproxima o seu corpo do meu e entramos num jogo sensual em busca de quem cede primeiro. Ela encosta e roça o seu traseiro na minha púbis e eu fico cada vez mais excitado. Não aguento mais e digo-lhe para sairmos dali. Ela aceita de imediato o convite e leva-me para o seu apartamento. No caminho só consigo pensar naquela dança e no que irá acontecer a seguir.
Ao subir as escadas para sua casa trocamos beijos cada vez mais longos e excitantes. Entramos e eu empurro-a contra a parede. Trocamos beijos apaixonados. Sinto a sua língua à volta da minha e fico cada vez mais excitado. Mordo-lhe o pescoço devagar enquanto as minhas mãos descem até às suas coxas, depois deixo-as escorregar por baixo da sua camisola e aperto-lhe os seios. Ela, cada vez mais entusiasmada, tira-me a t-shirt, arranha as minhas costas, conduz-me para o sofá e sussurra-me que a dispa, eu faço-o: tiro-lhe a camisola apressadamente, desabotoo-lhe as calças enquanto lhe mordo a barriga e a ouço suspirar; as calças saem e eu avanço um pouco mais, desapertando-lhe o soutien. Ela agarra-me com força, crava as unhas nos meus ombros e invertem-se as posições: agora ela comanda.
Sabe como me provocar e eu não lhe resisto. Agarro-lhe o rabo com as mãos, ela despe as cuecas e agarra as minhas mãos com o intuito de fazer com que a apertasse com mais força, consigo sentir já o seu sexo sobre o meu e de vez em quando alguns movimentos que me deixam sem qualquer capacidade de resistência. Até que ela volta a tocar-lhe com os dedos – ela sabe exactamente como faze-lo – e cada vez mais rápido, até descer com a boca… pego num preservativo e quando o ia colocar ela arranca-mo das mãos e é ela que o coloca, na perfeição. Penetro-a. Devagar. Devagar. E cada vez mais, e mais. Ela geme. E eu também, inevitavelmente.
Abro os olhos, acordo ao pé dela, na cama dela. É de madrugada e não me lembro ao certo como fui ali parar. Levanto-me, tiro um cigarro do maço e fumo-o calmamente, sem pressas. Ela dorme tranquila, só acordará quando o sol começar a entrar pela janela, é certo. Acabo o cigarro. Visto-me. Verifico as horas e saio, batendo a porta silenciosamente.

Texto escrito no fim de 2008.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Cadáveres.

Ao virar a esquina para a rua principal deparei-me com um vil cenário que me consumiu as entranhas. Uma pobre mulher de carcassa desfigurada jazia ali, no meio do trânsito do fim da tarde. O barulho ensurdecedor do trânsito do início de noite. Eu passei em silêncio, não conseguia transmitir nem um som. O tráfego, os prédios em construção. Não há palavras que descrevam. O arrepio, o medo. As pessoas apressam-se, repulsadas com aquela demencial cena. Tentam ignorar a situação. Enquanto passo, nenhum carro pára. E o cadáver daquela pobre mulher continua ali jazido, ensaguentado sem ninguém que o reclame. Começa a chover.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Recordações.

Melancolia. Esse estranho sentimento apodera-se de mim com todas as suas forças. Dispara sobre mim um dardo envenenado ao qual não consigo fugir e acabo por me deixar possuir. Fico envolto em si. Pelas suas sombras e incertezas. Essa atroz nuvem descarrega sobre mim toda a sua água e afoga-me nas suas cheias homicidas. E que é feito de mim? Não sou senão seu servo, preso nos claustros do templo melancólico.
- Quero sair, deixem-me sair!
- Não! Lá fora há trevas, escondidas, à espera que saias para se lançarem sobre ti. Aqui estás seguro.
E sou invadido pela saudade que me atinge como que um punhal gelado, que eu sinto até osso. Sou um simples homem, embriagado por sentimentos desumanos. Não consigo pará-los. Todas as portas são apenas miragens. Todas as saídas insistem em alastrar-se e a multiplicar-se, embora tu não as consigas sequer ver. E eu? Eu continuo a querer sair, em vão.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Carência.

Metáforas, mágoas. A noite já caiu. A única luz presente é a de uma lua cheia que me lembra de ti. Rondas-me, tal como a tormento, com a sua inocente vontade de provar o meu caixão. Corro desvairado pela rua, fugindo do lacrau que se quer apoderar de mim. Desfaleço em convulsões sísmicas que me transportam para a amarga solidão. Já nada é o que era. As memórias assaltam-me o cérebro quase demente que insiste em se abrir para prazerosos e obscuros deleites. Ensurdecem-me os teus gritos sufocados, assustam-me os vampiros escondidos nas sombras da nossa realidade. Sobe por mim uma dor que late. Arde-me o peito. Sinto-me transposto para o teu quarto, onde estás deitada que nem um anjo adormecido acariciado pelo medo. Não consigo mexer-me. Consigo ver o lacrau ao fundo. Sinto o seu perfume horripilante entrar-me pela alma e reclamá-la sua. Fico arrepiado quando o afiado gume se espeta no meu coração. Os suores frios assolam-me e aí que eu sei. O lacrau... és tu.