sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Anjos.

No quarto vazio, restos de ti inundam-me a cama. Este vácuo toma conta de mim, corta-me a respiração que já era ofegante. A fera solta-se, atira-se aos lençóis. Mexe-se nas sombras e eu sinto-a a crescer em mim. Sinto-a possuir-me as vísceras, sinto-a a afiar as unhas nos meus ossos. O luar azul entra pelas frinchas da janela iluminando a poltrona onde jaz a minha alma. Alma essa que possuiste sem qualquer dó e deixaste em farrapos. O teu horripilante cheiro a morte seduz-me e eu percorro agitadamente o teu rasto. Não consigo evitar. Não consigo abrandar as palpitações em que me deixas. Puxas-me em direcção a esse corpo diabólico desejo possuir. O teu rosto, coberto por uma invulgar máscara mortuária, persegue-me em sonhos. Não me deixa despregar de ti. Como um anjo negro da inocência, entraste dentro de mim. Alimentas-te das minhas entranhas e do meu sofrer, órgão a órgão. Não consigo fugir de ti. Não quero fugir de ti.