quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Tumores.

Acendo um cigarro e deito-me no escuro a ver o papel queimar. Sinto-me intrigado acerca do porquê desta espera ser tão prazeroso. Esta espera para que o papel queime, até ao fim. Ouço passos. Estou demasiado colado à frescura destes lençóis para ver o que se passa. Que batam à porta, se me quiserem! Lá fora chove. Chove torrencialmente. Mas que porra de tempo! Estamos em Junho, por amor de deus! Um relâmpago fustiga o horizonte para lá da janela e do estor. É nitidamente visível apesar do total isolamento do meu quarto. Um trovão, que mais se parece com um enorme rugido de um leão, soa mesmo por cima de casa. Solto um gemido quase orgásmico. Sempre adorei a trovoada, não sei bem porquê. Sempre vi prazer em coisas que uma pessoal normal encontraria medo. Ou, pelo menos, respeito. Provavelmente, tenho alguma espécie de capacidade que me permite olhar para as coisas e analisá-la na sua substância, ao mais ínfimo pormenor. Ouço uma conversa vinda do lado de fora da porta. Dirijo o meu olhar para as sombras visíveis entre o chão e a parte de baixo da porta. Percebo que estão hesitantes em bater.
- A porta está aberta!
Mas ninguém entra. Bem, que se fodam. Tenho andado a ler Jack Kerouac. Também gostava de fazer uma viagem pela América com um amigo, um dia. Só os dois, a viver à noite nos bares, nas tascas, nas casas de pasto. Também quero deixar bilhetes a criadas, nas costas das contas. E lá aparecem as sombras mais uma vez. Mas que porra é esta, devem estar a gozar comigo.
- A PORRA DA PORTA ESTÁ ABERTA!
Parece que finalmente se decidem a entrar. Ouço a maçaneta a girar. A porta range, quando é aberta com lentidão. Isto mais parece a merda de um castelo. A luz vinda do corredor quase me cega. Eles entram, uma rapariga e um gajo que mais parece pai dela. Mas que raio é que querem de mim? Foda-se, o cigarro apagou-se...